segunda-feira, 9 de julho de 2012

Para onde vai o catolicismo no Brasil



 


Maria Clara Lucchetti Bingemer
Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio



Os dados do Censo de 2010 sobre Religião foram divulgados. Os resultados são no mínimo surpreendentes, e talvez chocantes para muitos. O panorama religioso brasileiro segue uma tendência que já se vinha revelando nos últimos anos. Porém, tudo indica que esta tendência vá se mantendo e aprofundando. As mudanças no cenário global se fazem mais radicais e fortes.

A diminuição das igrejas históricas é o que mais salta à vista.

Perdendo terreno aceleradamente para as igrejas de corte mais pentecostal, essas igrejas experimentam uma evasão ainda mais importante de seus fiéis. No entanto, é diferente a situação do protestantismo histórico e do catolicismo. Enquanto o protestantismo histórico, devido à sua própria pluralidade interna, diminui ainda mais, o caso do catolicismo salta mais à vista pelo volume que representa dentro do cenário religioso nacional.

Tradicionalmente considerado o maior país católico do mundo, o Brasil perde por dia mais de 400 fiéis, o que faz o catolicismo cair proporcionalmente da faixa dos 70% anteriormente obtida no censo de 2000 para pouco mais de 60% em 2010. Isso impacta não apenas na proporcionalidade de católicos, mas igualmente nos números absolutos do catolicismo. A massa católica que se autoassume como tal reduz drasticamente, sobretudo nas grandes cidades, sendo campeão o Rio de Janeiro, antiga corte e capital da República.

Seria apressado e superficial fazer uma análise mais aprofundada agora desta situação. Os dados ainda são muito recentes e falta tempo hábil para uma visão mais exata. Parece claro, no entanto, que essa mobilidade religiosa não é privilégio do catolicismo, apesar do destaque maior que ele merece no panorama nacional. A Igreja Universal também conheceu expressiva queda, assim como outros grupos religiosos, entre os quais os afro-brasileiros.

Ao mesmo tempo, prosseguiu sua discreta mas constante subida o grupo dos que se declaram sem religião. Já em 2000 havíamos refletido e constatado que esses não seriam necessariamente sem Deus, mas pessoas que, embora fazendo a experiência da fé e da sede pelo transcendente, experimentavam uma profunda incompatibilidade com a instituição, suas normas e formulações, e como tal situavam-se com sua busca e sua sede fora da religião institucionalizada.

Creio que a evasão do catolicismo institucional aliada a este dado do crescimento dos sem religião revelam uma tendência não desprezível, embora não tão aparente num primeiro olhar.

Acrescente-se a isso a queda de fenômenos religiosos recentes como a Universal e temos uma visão que nos faz suspeitar que as mais recentes propostas religiosas que adentraram o campo religioso brasileiro podem ter muita capacidade de sedução e atração dos fiéis, mas estão longe de conseguir retê-los em suas fileiras de maneira mais permanente e estável.

Em outras palavras, o êxodo que se constata nas fileiras católicas e cristas históricos acontece igualmente, embora talvez em menor proporção, em outras denominações, mesmo nas pentecostais, que parecem crescer mais, mas que igualmente sofrem de inestancável trânsito e migração no interior de si mesmas.

Em todo caso, é fato que o catolicismo vai perdendo fiéis. As causas e consequência desse fenômeno devem, sem dúvida, preocupar hierarquia e lideranças da Igreja Católica. Não se desdenha um êxodo dessas proporções justamente no momento em que se faz um esforço pastoral considerável em nível continental como o que vem sendo feito depois da Conferência de Aparecida, em 2007, com vistas a uma missão continental.

Parece-nos, no entanto, que quem ganha nesta disputa pelos membros e fiéis não são tanto as religiões evangélicas quanto a secularização, que avança inexorável, empurrada pelo processo de urbanização e globalização crescente que acontece em nosso país. A questão neste momento é saber, ou cogitar "melhor dito”, quem está mais preparado e em mais favoráveis condições de lidar com esse fenômeno.

Humildemente, parece-nos que as igrejas históricas e entre elas o catolicismo têm aí mais chance. A face secular, embora não secularista do cristianismo histórico, tem larga e respeitável tradição. E o Concilio Vaticano II reafirmou a necessidade de dialogar com o século e as realidades terrestres. Enquanto estamos celebrando na Igreja Católica os 50 anos do grande acontecimento do Concilio, que justamente trazia como uma das questões primordiais abrir e facilitar o diálogo da Igreja com a secularidade, os dados do censo são uma interpelação e um desafio.

Oxalá nós, católicos, não nos debrucemos sobre eles em tom de perplexidade inativa, lamentação e nostalgia. A partir do censo que retrata e mapeia a realidade, o Evangelho de Jesus nos interpela. E

parece que nos aponta o caminho de redescoberta de nossa verdadeira vocação de fermento na assa e pequeno e fiel rebanho. Vocação essa que andou um tanto perdida e desorientada em meio aos aparentes triunfos dos períodos de cristandade. Tomara que tenhamos humildade, fidelidade e ardor suficiente para procurar responder à altura o desafio que nos é proposto. Amém!

[Maria Clara Bingemer é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
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Fonte: www.adital.com.br