“A Regra e a vida destes irmãos é esta: viver em obediência, em castidade e sem propriedade e seguir a doutrina e as pegadas de Nosso Senhor Jesus Cristo que diz: Se queres ser perfeito vai e vende tudo que tens e dá aos pobres e terás um tesouro no céu; e vem e segue-me”. (Regra Não Bulada 1,1-2)
Irmãos e Irmãs,
Paz e Bem!
Esta é a primeira Solenidade de São Francisco de Assis, nosso Pai Seráfico, que celebramos como Franciscanos de Santa Maria dos Anjos. Quero, pois, por estas linhas fazer uma breve reflexão acerca de nosso caminhar nos passos de Francisco e Clara de Assis nestes últimos meses que, por Graça e Benevolência Divina, pudemos viver neste novo projeto, apoiados por irmãos e irmãs, espalhados por diversos lugares por onde já vivemos.
Em 03 de fevereiro chegávamos a Rosário de Limeira. Tivemos uma acolhida muito calorosa e fraterna por parte do bispo diocesano e do povo limeirense. Logo pudemos experimentar a abundante providência divina que cuida de cada um de nós com amor inesgotável; as sutilezas do cuidado paterno em cada irmão e irmã que, dirigindo-se à nossa casa, traziam e continuam a trazer, do pouco que têm para partilhar conosco. Experimentamos com muita intensidade a generosidade e gratuidade das pessoas que se convertem em forte apelo à nossa doação e entrega ao serviço dos mais simples. De graça recebemos, de graça devemos dar.
Orar sempre e sem cessar
Nossa presença fraterna e orante constituiu grande novidade para o povo. Acostumados a padres morando sozinhos, muito se admiraram de nosso jeito de viver em fraternidade. Uma fraternidade jovial e alegre, acolhedora e trabalhadora. E, acima de tudo, orante. As celebrações da Eucaristia diárias, a oração das Laudes, a oração do terço e coroa franciscana... momentos de profunda comunhão com o Altíssimo que podemos experimentar juntamente com o povo.
Sem dúvidas, este aspecto tem marcado profundamente nossa vida: a oração e a contemplação. Muitos acorrem à nossa residência para pedir orações, para rezar conosco... Buscamos cultivar um espírito orante e contemplativo.
Em sua generosidade o Senhor concedeu-nos um lugar de profunda contemplação. Imersos na beleza natural da região, junto ao Pico do Itajuru, podemos dedicar momentos intensos à contemplação em nosso eremitério. Um espaço cedido pela generosidade de uma família,mas que, para nós, fala muito alto do cuidado que Deus está tendo conosco.
Em simplicidade de vida e no trabalho
Experimentamos a graça da providência divina que não nos deixa faltar nada. Todos os dias recebemos de mãos generosa o pão de cada dia... muito pouco precisamos adquirir no supermercado. Frutos da terra e do trabalho dos irmãos e irmãs são abundantes em nossa mesa.
Também buscamos partilhar aquilo que temos, não acumulando bens e recurso financeiros. Propomo-nos, firmemente, de não possuirmos bens e aplicações financeiras. Não queremos juntar dinheiro nos bancos e nem acumular bens desnecessários à nossa vida.
Dedicamos boa parte de nosso dia ao trabalho, seja nas ações de evangelização junto à paróquia, seja nos trabalhos domésticos, na horta, como pedreiros e serventes, em projeto social e ecológico.
Vale ressaltar nossa presença junto a duas comunidades terapêuticas para dependentes químicos. Espaço de profunda comunhão com jovens que buscam resgatar sua dignidade, reconstruindo suas vidas. Contribuímos com nossa presença e no apoio espiritual e psicológico.
Em fraternidade
Nossa fraternidade sofreu algumas transformações ao longo do processo. Irmãos vieram e foram. Caminhos novos foram surgindo... O Espírito sopra sem cessar e nos aponta novas direções...
Somos hoje irmãos religiosos e um leigo. Formamos uma fraternidade mais aberta e sensível aos sinais do Espírito. Com sofrimento e dor fomos descobrindo caminhos diferente. Cientes da vocação de cada irmão e da vocação de nossa fraternidade, fomos nos abrindo às novidades que o Espírito foi suscitando entre nós. Hoje estamos em Rosário da Limeira e em Belo Horizonte. Em caminhos diferentes, sentimo-nos irmãos e o somos de fato, membros de uma mesma fraternidade: os Franciscanos de Santa Maria dos Anjos. Não é preciso ser frei para fazer parte desta fraternidade; é preciso ter disponibilidade e abertura para viver o projeto de Deus apontado para Francisco.
Em solidariedade com toda a Criação
Vivendo em um ambiente de natureza exuberante, de Mata Atlântica preservada, de inúmeras nascentes, não podemos ficar insensíveis aos apelos da Mãe Terra. Em sintonia com o carisma de nosso Pai Seráfico, abraçamos o trabalho ecológico como um dos pilares de nossa espiritualidade. Unimo-nos à Fazenda Iracambi, ao Sindicado dos Trabalhadores Rurais, à Prefeitura Municipal e a muitos membros de nossas comunidades, para juntos, somando forças, intensificarmos o cuidado com o meio ambiente. Um trabalho gratificante e profundamente desafiador.
Formando uma Igreja de Irmãos
Um dos aspectos que muito temos trabalhado em Rosário da Limeira é a construção de uma Igreja de Irmãos, não uma Igreja de servos e senhores. Todos formamos um só corpo... todos são importante, com seus ministérios e carismas. Esforçamo-nos para formar uma igreja mais leiga e atuante. Investimos na formação de leigos e leigas, nas missões populares, numa maior atuação de ministros da Palavra e Eucaristia... Reforçamos o papel do Conselho Paroquial como espaço de reflexão e decisão... Não queremos ser senhores de nada. Estamos a serviço.
E com muitos desafios...
No entanto, nada está pronto... tudo está por se fazer. Tudo muda o tempo todo... Não podemos nos fechar à ação do Espírito que sopra sem cessar. Faz-se necessária uma permanente atitude de escuta e discernimento.
Quanto ao aspecto da Oração e Contemplação, somos sempre impelidos a buscar uma relação mais intensa e íntima com o Senhor, Pai de Bondade. Dedicarmos mais tempo à oração pessoal, aos tempos de deserto e solidão, à vida no eremitério. Permitirmos que o Senhor nos fale ao coração, não nos acomodando em falsas seguranças, mas colocando em suas mãos nossas vidas, projetos e perspectivas. Termos a firme convicção de que Ele nos guia e protege; é Ele nosso refúgio e amparo; é Ele nossa Providência.
Essa confiança nos cuidados do Senhor deve levar-nos a uma vida cada vez mais despojada, simples. Discernirmos claramente as necessidades para uma vida digna, não deixando-nos seduzir pelos desejos de consumo, de aquisição de bens supérfluos... Não buscarmos privilégios e lugares de destaque e nem aceitá-los quando oferecidos. Não nos impormos por causa de títulos e ministérios; sermos sempre irmãos, servidores, menores...
Trabalharmos sempre. Não nos cansarmos de servir. Que façamos de nossa vida doação a serviço do Reino; que busquemos nosso sustento pelo trabalho de nossas mãos, jamais nos acomodando a uma vida de privilégios e conforto. Busquemos alternativas de trabalho, seja em projetos de geração de renda, serviço a instituições voltadas aos cuidados da pessoa desprovida de seus direitos, atuando no cuidado da vida em todas as suas formas.
Fortalecermos ainda mais a identidade de uma fraternidade aberta e acolhedora. Sejamos, de fato, irmãos, solícitos uns com os outros, não nos cansando nunca de fazer o bem. Que títulos, ministérios e serviços, não sejam motivos para nos classificarmos e estabelecermos graus de importância e destaque. Sejamos irmãos de fato, religiosos, leigos, padres, postulantes... Estejamos sempre em atitude de acolhida e hospitalidade para acolhermos aqueles que a nós se dirigem.
Reconheçamo-nos, de fato, criaturas de Deus. Como filhos do Criador somos irmãos de todas as criaturas. Que nossos pequenos gestos falem de uma atitude de respeito e amor para com toda a vida; o cuidado com a natureza seja algo natural em nosso modo de viver.
Enfim, irmãos e imãs, um dos grande perigos é a tendência à repetição. Somos tentados, a todo momento, a buscarmos confortos e seguranças em pessoas, bens, posições sociais... Vigiemos sem cessar! Que Nosso Pai Seráfico nos inspire sempre atitudes novas, abertas, sensíveis aos apelos do Espírito!
Numa manhã de outono, Francisco e Leão puseram-se a caminhar... sem rumo, sem direção... “Pai, para onde estamos indo?”, perguntou Leão. “Para Deus, meu irmão, para Deus”, respondeu o Pobre Caminhante. “Mas, meu Pai, onde está Deus?” E Francisco, permanecendo em silêncio, caminhou, caminhou... sem nada dizer. Até que, chegando ao alto de uma montanha, disse a Leão:”Olhe meu irmão, olhe ao seu redor. O que vês?” E Leão, na simplicidade que lhe era característica respondeu: “Vejo muita mata, pássaros, o sol, vejo-o meu Pai...” E Francisco continuou: “Agora feche os olhos... o que escuta?” “O canto dos pássaros, o barulho das águas, o bater de meu coração...” Muito bem, meu irmão, em tudo isto está Deus...”
Frei Gilberto Teixeira da Silveira, fsma