sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A oração de Jesus no Getsêmani




Iniciamos na quarta- feira de cinzas a quaresma, convocando-nos a uma caminhada de 40 dias de preparação para a Páscoa. Nesta ocasião, somos convidados nestes 40 dias a experimentar o deserto. Neste caminho de peregrinos, marcados como o povo da “nova Israel” a caminho da libertação, queremos que este tempo quaresmal seja-nos rico de conversão e experiência com a presença do Senhor.

É no deserto que os profetas e o próprio Jesus de Nazaré fazem suas mais ricas experiências com Deus.  A oração, o jejum e a caridade são os pilares que sustentam a trajetória de uma humanidade sedenta e frágil na caminhada de fé. Por isso, tantas vezes, na quaresma, por não entendermos ou não arriscarmos a uma renovação interior permanecemos a mercê de uma “quaresminha” formulada de ritos mesquinhos onde não se come isso, onde não bebe aquilo e não se veste desta ou daquela maneira. Celebrar a quaresma em plenitude é iniciar uma ebulição interna, é penitenciar-se a partir do coração, conscientizando-se que “o que torna o homem impuro é o que sai dele e não o que entra”.

Ao experimentarmos o deserto interior somos interpelados a uma serena transformação, ao desnudar-se, o abrir-se a graça misericordiosa do Senhor. Assim, nesta trajetória de conhecimento interno de si, compreendemos que o nosso maior tesouro é oferecer aquilo que temos dentro de nós, saindo de nossa hipocrisia, de nossos testemunhos não vividos, de nossa bonita teoria. Portanto, é preciso ter muito amor “dentro” para poder oferecê-lo, ter fé para senti-la e diálogo para ser praticado.

Deste modo, a maior graça que poderemos ter nesta quaresma é vivenciarmos com autenticidade o nosso deserto interior, e, a oração, é o fundamento desta conquista. A oração de Jesus no Getsêmani, “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” é a oração que somos chamados a rezar, buscando compreendê-la em sua consumação. Este grito de Jesus transfigura-se no grito de todos os vencidos e sofridos da história, os quais, marcados por dores profundas, sentem-se abandonados inclusive por Deus.

A predisposição de Jesus convida-nos a entender que nem sempre o sucesso é sinal de ação divina e nem sempre o fracasso é condenação. Por isso, no caminho da cruz, preserva-se o anúncio do Reino calculado pelo preço da fidelidade à condenação e a morte. Esta morte de Jesus ilumina toda a vida do profeta de Nazaré. A oração de vigília de Jesus, no jardim do Getsêmani, faz do profeta, preparado para a missão. Ele já sabia que esta caminhada seria árdua e pressupunha conflitos os quais poderiam desembocar na morte. Não teve medo.

Laços foram cortados, houve tortura. A solidão é experimentada: os amigos mais próximos não puderam vigiar nem sequer uma hora. O sono dos discípulos revela a indiferença de todos. Jesus sente tristeza, solidão, a rejeição e o abandono. Houve desejo de fuga e por edificar a civilização do amor o cálice de dor não fora afastado de si e Ele opta pela escolha dura, buscando a fidelidade até o fim. Ainda no jardim do Getsêmani a cruz é vivida de forma nua e crua e aparentemente Deus está calado, silencioso e ausente. O vazio tremendo vivido por Jesus é experimentado em muitas ocasiões de deserto, e nestes momentos renova-se as energias para prosseguir.

Confrontando a oração de Cristo no Getsêmani com as nossas orações, somos chamados a perceber quais são os apelos de Deus em nossa vida. Vivendo a nossa missionariedade cristocêntrica somos convidados através da oração cotidiana a rezar a própria vida, com seus acontecimentos, alegrias, tristezas, conflitos e esperanças. E, em atitude orante, na vigilância, somos convocados a experimentar a oração de Jesus no Getsêmani no hoje de nossa sociedade.

A vigília é o tempo do combate interior. O que Deus quer não é a morte dos Filhos, criaturas esmagadas pela dor e sofrimento. A vontade de Deus é que seus Filhos sejam firmes no testemunho até o martírio. Contudo, o testemunho e a palavra que querem converter as pessoas precisam enfrentar a indiferença, a ironia, o medo, a resistência e a perseguição.  Que a oração de Jesus no Getsêmani seja para nós modelo de ousadia evangélica, fazendo-nos sempre disponíveis e abertos a vivência de uma entusiasmada descoberta interior.

A você uma santa e abençoada quaresma!


Frei Weisller Jefferson dos Santos, FSMA


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