Nossa Paróquia de Santo Antônio, em Belisário-MG, está em festa. Amanhã, 13 de junho, é o dia do Santo.
Faz parte da tradição católica representar seus santos em imagens. De Santo Antônio há uma diversidade de representações. Extraímos do "Santo Antônio, a realidade e o mito", de Carmen Sílvia Machado Galvão e Antônio Mesquista Galvão, da Editora Vozes, um breve texto que fala dos ícones do santo.
Iconografia antoniana
Do grego, ícone (eicón) traz consigo uma idéia de imagem, representação de uma coisa sagrada. Iconografia, como derivada, é a ciência que caracteriza o estudo, a descrição e os conhecimentos de imagens.
Há, de certa forma, na palavra um relativo equívoco, uma vez que ícone é uma representação plana (quadro) e não tridimensional (imagem). Mas como modernamente iconografia é a ciência dos quadros e imagens sacras, vamos lá. Quase como sinônimo, temos a palavra iconologia.
Toda imagem, toda obra de arte, tem em si uma leitura, feita através de atributos e sinais identificadores. Essa leitura pode mudar de acordo com os tempos, os enfoques históricos e a interposição de ciências particulares.
O artista coloca suas palavras através da obra de arte que ele cria. O público, através dos tempos, estabelece critérios de leitura e releitura das obras de arte, sejam elas mundanas ou sacras.
Os símbolos favorecem a hermenêutica, a leitura interpretativa de uma imagem. Os atributos detalham a simbologia. A iconografia de Santo Antônio - pinturas, estátuas e outras expressões artísticas - apresenta grande variedade e riqueza e propicia uma leitura muito ampla da vida e da santidade do retratado.
Olhando as imagens, santinhos e quadros mais conhecidos, nota-se logo a incidência de alguns traços e símbolos que permitem a diferenciação. Como sabemos a diferença, por exemplo, entre São Jorge e São José?
A iconografia nos dá muitas pistas: um aparece vestido de guerreiro, montado a cavalo, combatendo um dragão. O outro é representado por um homem idoso, com o menino Jesus no colo, e geralmente portando um lírio ou um bastão de peregrino. Uma breve visão iconográfica nos possibilita a identificação.
A iconografia é, sem dúvida, uma bela e significativa expressão da religiosidade popular. O povo cria suas imagens, onde o homenageado é quase sempre jovem, belo, transpira santidade e veste-se, quando não ricamente, pelo menos de modo bem apurado.
É a representação, por exemplo, em imagens de Nossa Senhora, onde ela aparece ricamente vestida, com jóias e coroa de ouro na cabeça. O imaginário popular exacerba-se na representação devocional.
A iconografia inspira a evolução de religiosidade. Nessa práxis, os devotos apreciam mais olhar a imagem ou o santinho, do que ler a biografia ou estudar os escritos ou discursos do santo homenageado.
Na verdade, por uma leitura correta dos símbolos e atributos de uma imagem, podem-se estabelecer alguns traços da biografia de um santo.
Para avançar, vejamos a diferença entre símbolos e atributos, em iconografia.
Os símbolos dão a idéia geral da imagem e alguns critérios de interpretação. Por exemplo, na imagem de Santo Antônio, há símbolos de santidade, pertença à Ordem Franciscana, eleição divina e indicação de que foi pregador.
Esses símbolos, santidade, eleição, pregador e franciscano, são mais ou menos universais e imutáveis. Os atributos, que os caracterizam, o lírio, o menino, a Bíblia e o hábito são mutáveis e sujeitos, a cada época, a um tipo de leitura.
Vejamos os atributos:
a) O hábito franciscano - É um atributo que aparece desde a primeira hora e sempre serviu como mesma chave-de-leitura: quer dizer que ele foi franciscano. No século XV apareceram algumas breves representações que mostravam o santo com um hábito cinza, dos penitentes ou mendicantes; o corte tonsurado do cabelo tem o mesmo significado.
b) O livro (o atributo mais antigo) - Representa o Evangelho e a sabedoria de Antônio, primeiro mestre de Teologia da Ordem dos Frades Menores e doutor da Igreja. Lembra o pregador que arrebatava as multidões com as palavras do Evangelho. Por sua sabedoria bíblica, o Papa Gregório IX chamou-o de "Armário (Arca) do Testamento".
c) O menino - O menino é visto em três tipos de representação:
1. Em cima do livro: em geral aparece sobre o livro aberto que o santo tem na mão, em gesto de quem abençoa, ou, usando um gesto de origem grega, com os dedos médio e indicador levantados, juntos, como a chamar a atenção para alguém que vai falar (no caso, o santo, pregando); pode representar a visão presenciada pelo Conde Tiso, em sua residência; o estar em cima do livro (Bíblia) evoca a característica de Frei Antônio como pregador do Verbo encarnado; o menino, segundo algumas fontes, nos primeiros tempos, não seria Jesus, mas as crianças, por quem o santo tinha enorme predileção; numa obra de El Greco, o menino (Jesus) aparece como brotando das páginas do livro, onde Antônio mostra a revelação do Verbo.
2. No colo do santo: em outras representações, o livro aparece de lado, e o menino Jesus está no colo de Antônio, numa atitude de extraordinária familiaridade, acariciando-lhe o rosto.
3. Sendo mostrado ao santo, pela Virgem Maria: Um quadro (reproduzido em alguns "santinhos", mostra a Virgem apresentando o Filho à adoração de Antônio).
d) O lírio - O lírio é um símbolo-atributo que aparece nas representações artísticas após o século XV e se toma popularíssimo; tem dois significados: o mais antigo remete a Pádua; o lírio é a flor da estação na qual Antônio morreu; é a flor do campo, ornamental, perfumada,medicinal e frágil. O outro significado simbólico, posterior ao primeiro, refere-se à pureza, à castidade, à pobreza e ao vigor do testemunho de vida, na entrega do coração virginal a Deus. Há ainda um terceiro atributo, paralelo: a natureza, mostrada, pelos franciscanos, como sinal de Deus.
e) A cruz na mão - A cruz na mão (do século XVI) pode significar duas coisas: o espírito missionário do santo, ou, seu desejo de tomar-se um mártir da fé.
f) Os pés desencontrados - Se observarmos as imagens de Santo Antônio, veremos que seus pés não estão um ao lado do outro, mas um mais à frente do outro; trata-se de um indicativo de "em marcha", "a caminho", atitude que sempre caracterizou seu trabalho missionário.
g) A fisionomia adolescente - O rosto jovem, alegre e belo é consequência, como já vimos, daquela perfeição que a religiosidade popular passa à arte, relativamente aos santos e bem-aventurados; significa, também, a jovialidade do espírito do cristão.
h) O pão - Em certas obras de arte antigas (século XVI-XVII) vê-se o santo distribuindo o "pão dos pobres"; esse atributo é o mais recente; apareceu em Messina, na Sicília, em meados do século XIX, durante uma época de fome.
i) A chama - A chama de fogo que aparece em alguns ícones, especialmente orientais, simboliza o amor divino, o zelo e a paixão do santo por Jesus e seu Evangelho.
j) A nogueira - Esta é uma representação não muito conhecida; pouco antes de morrer, com falta de ar, Frei Antônio pediu que armassem sua cela no topo de uma nogueira frondosa, possivelmente nas propriedades do Conde Tiso. O santo já estava doente; falam em hidropisia e asma; há quem suspeite de obesidade ("adquirira certa corpulência...") e diabetes; ali, além da altura (que proporcionava o ar fresco), o odor das resinas da árvore mantinha-o defendido dos mosquitos; pois mesmo ali vinha gente ouvir sua palavra. Uma pintura renascentista mostra o santo em cima da árvore, pregando ao povo, sentado, com a Bíblia na mão, como se estivesse numa cátedra, tendo, abaixo de si, São Boaventura, na época, o coordenador geral dos franciscanos; o estar na árvore é figura do desprender-se da vida terrena, já que o santo estava nos últimos dias de vida.
l) O terço - Para explicitar que Santo Antônio era um homem de oração, a iconografia do século XVI representou-o com um terço pendurado à cintura. O terço foi criado por São Domingos de Guzman (f 1221), utilizando antigos modelos orientais.
Há vários aspectos da vida, das pregações e dos milagres de Santo Antônio constantes de sua iconografia. O "sermão aos peixes", em Rimini, o "coração do avarento dentro do cofre", em Florença, "a mula ajoelhada diante do Santíssimo" em Rimini, fazem parte desse emocionante acervo, criado por mestres da pintura. A morte do santo, em Arcella, e lá fora as crianças fazendo o miraculoso anúncio, está magistralmente pintada numa obra de Murillo.
A icnografia leva-nos, como foi dito, a uma leitura analítica mais atenta de todos os símbolos e atributos que a devoção popular e oficial creditaram aos santos. Iconografia é para se ver e entender, independentemente de valores estéticos. Uma obra de arte, seja um quadro sofisticado ou uma rude representação popular, não é para ser achada bonita ou feia, mas para ser entendido o seu sentido.
No caso místico, as imagens de Deus e dos santos servem para criar aquela aproximação física que nossas carências reclamam, para um ajutório de memória, e para avivar a fé, relembrando as práticas e os sacrifícios daquele que está ali retratado.
E nós, hoje? Somos daqueles que entendemos que, pelo fato de possuirmos essa ou aquela imagem em nossa casa, já temos comunhão com quem está ali representado? Há pessoas que vão à igreja, oram diante das imagens, acendem velas e esquecem-se de reverenciar a Cristo, vivo e presente ali na Eucaristia. Somos desses?
Temos formação suficiente que nos dê uma exata noção entre santidade e divindade, imagem, representação, mediação, pessoa e divindade?
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